Ocidente x Islã: Lições do passado para o futuro |
O
conflito entre o mundo ocidental e o mundo muçulmano, acentuado desde o
começo do século XX, ganhou contornos que escapam à compreensão comum.
Enquanto uns recusam-se a entender o rechaço das massas islâmicas às
interlocuções com o Ocidente, outros atribuem isso à ausência de
liberdade e de democracia no seio destas sociedades, tidas como
primitivas.
A
universalidade do mundo mulçumano é extensa, abarcando distintos grupos
civilizacionais e culturais. As fronteiras do Islã estendem-se do
extremo Oriente ao extremo Ocidente. Os indivíduos que professam a fé
muçulmana são estimados em aproximadamente dois bilhões de pessoas -
cerca de 25% da população mundial, distribuídos por todos os
continentes.
A
civilização muçulmana chegou a Europa no século VII e por lá permaneceu
até a Inquisição, no fim do século XV. Seus maiores legados consistem
no progresso do sistema econômico-comercial europeu, no desenvolvimento
de ciências como medicina, a astrologia, a física, a química e a
matemática, além de contribuições significativas no campo das artes e da
literatura. Esse período representa o apogeu da integração e do
intercâmbio de conhecimento entre o mundo ocidental e o mundo islâmico, o
que levou a humanidade a um patamar superior de progresso.
Na
era contemporânea, o declínio do diálogo entre o Ocidente e o mundo
muçulmano pode ser descrito à luz de três axiomas temporais importantes:
o colonialismo europeu no mundo árabe e islâmico entre o século XIX e
meados do XX; o inarredável alinhamento euro-americano ao Estado de
Israel no conflito com os Palestinos após 1947; a guerra dos falcões
americanos contra o Iraque neste início de século XXI.
Para
a sociedade árabe e islâmica, o colonialismo franco-britânico não
apenas buscava a exploração das riquezas desses países, mas também
descaracterizar seus pilares culturais, seus costumes e sua organização
social. Na psique islâmica, as potências ocidentais não compreenderam a
universalidade da sociedade muçulmana e ignoraram a sua dinâmica na
medida em que, pela força, buscaram impor modelos de governança política
incompatíveis com a suas tradições político-sociais.
A
consolidação dos Estados Unidos como potência hegemônica após o fim da
II Guerra Mundial levou a um novo ordenamento geopolítico no Oriente
Médio. Esse novo modelo de neocolonialismo estava calcado no controle
das matrizes energéticas dos países árabes a partir da instauração de
regimes totalitários subservientes - o que alterou sobremaneira a
dinâmica do dialogo entre o ocidente e a civilização islâmica.
Mas
foi a eclosão do conflito árabe-israelense, em 1947, que potencializou o
surgimento do islamismo radical. A conivência dos governos americanos e
europeus com sistemática violação aos direitos do povo palestino,
conjugada à inoperância diplomática para solucionar o contencioso,
fomentou a criação de guerrilhas fundamentalistas e de movimentos
extremistas antiocidentais.
Mais
recentemente, o repúdio ao Ocidente foi agravado pela invasão
anglo-americana ao Iraque. Era indisfarçável o interesse na tomada do
petróleo iraquiano na guerra injustificada de Bush e Blair. Para a
sociedade islâmica, o ataque representou uma ameaça direta à
autodeterminação dos povos mulçumanos, o que também confirmou sua
absoluta descrença nas instituições internacionais.
O
plano de um novo Oriente Médio traçado pela “doutrina Bush” é uma
radicalização da estratégia elaborada por Henry Kissinger, ainda nos
anos 1970, cujo alicerce baseia-se em três pontos cardeais: o petróleo, a
segurança do Estado de Israel e a contenção do islamismo.
E
foi pelo fomento ao sectarismo no mundo árabe e muçulmano que se
procurou impedir a expansão do Islã. Embates internos mantém a tensão
social elevada e inviabilizam a construção de objetivos comuns, o que
perpetua a dependência das comunidades étnico-religiosas do Ocidente. Um
mundo árabe coeso e um islamismo unificado seria a antítese do que os
EUA, a Europa e Israel desejam. Foi assim no Líbano, durante a guerra
civil; no Iraque, na última década; na intervenção da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Líbia e, agora, na Síria.
O
dialogo pacífico entre o Ocidente e o mundo islâmico está centrado nas
mãos das potências ocidentais. A resolução da questão Palestina é a
chave para se pavimentar a coexistência harmoniosa entre os dois mundos.
De
sua parte, as massas do mundo árabe e muçulmano que impulsionaram o
levante denominado de Primavera Árabe parecem ter compreendido que os
desafios mais prementes de seu ordenamento social consistem na
construção de numa sociedade pluralista, tolerante e justa socialmente –
uma contraposição às ditaduras totalitárias historicamente apoiadas
pelas potências ocidentais. Democracia e islamismo político não são
excludentes, como demonstra o eficiente modelo político da Turquia.
Apesar
de suas diferenças culturais, o Ocidente e o Islã são bem mais
complementares do que excludentes - assim foi no passado e assim poderá
ser no futuro.
HUSSEIN ALI KALOUT, É CIENTISTA POLÍTICO, ESPECIALISTA EM ORIENTE MÉDIO PELA UNIVERSIDADE ÁRABE DE BEIRUTE, PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL.
HUSSEIN ALI KALOUT, É CIENTISTA POLÍTICO, ESPECIALISTA EM ORIENTE MÉDIO PELA UNIVERSIDADE ÁRABE DE BEIRUTE, PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL.
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