Título original: Silêncio, a mais covarde das covardias
do pastor Ricardo Gondim
Venho das fronteiras. Filho de um preso politico e de uma feminista militante, senti na pele
o preço que eles pagaram pelo degredo.
Canhoto, acostumei-me a não encontrar carteira adequada na sala de aula. Excomungado da
igreja presbiteriana, antes de completar 20 anos de idade, perdi o medo de cenho franzido.
Pentecostal entre teólogos com bom currículo, experimentei o peso da suspeita.
Migrante nordestino em São Paulo, percebi a sutileza do preconceito.
Na adolescência, enquanto esperava papai descascar laranja para os filhos, ouvia seu
conselho: Nunca negociem suas convicções. Nos anos de chumbo da ditadura, ele viu
seus colegas de farda calados. Amigos, para fugir da inclemência do regime, desciam a
calçada para não cumprimentá-lo. Papai se sentia só. - Silêncio, dizia meu velho, pode
ser a mais covarde das covardias. Só nas horas difíceis a gente sabe quem é quem.
Aprendi com ele: chacais e colibris não bebem do mesmo chafariz; ratos e gatos não se
escondem na mesma toca.
Ele também me ensinou que o bem só prevalece enquanto existir gente disposta a
encarná-lo. Mesmo em meio a uma indiferença histórica, quando a lua se recusa a
amenizar a noite e vampiros vagam, o bom fermento não pode cessar de levedar a massa.
Meu pai, agnóstico, repetiu sem se dar conta, a verdade do primeiro Salmo:
Os ímpios não subsistirão na congregação dos justos; uma breve aragem se transformará
em vendaval e os ímpios se espalharão como a moinha no deserto.
Devido à sua prisão, moramos de favor na casa da vovó. Ficamos expostos – talvez
demasiadamente – uns aos outros, sem privacidade. Entretanto, aqueles anos serviram
para me ensinar a detectar dissimulações mal ensaiadas. Carrego desde então,
um certo asco para o sorriso manso de quem procura disfarçar mazela – lobos vestidos
de ovelhas acreditam que ninguém os percebe patéticos no esforço de parecerem corretos;
eles, na verdade, só lutam para esconder falhas e conveniências.
Anos se passaram e eu continuo habitando fronteiras – agora da teologia. Fiscais da
ortodoxia se acham, permanentemente, de plantão. Eles me espreitam, querendo achar
um til mal colocado que engatilhe suas censuras inquisitoriais. O bombardeio do
fundamentalismo é renitente.
Espicaçado e achincalhado, não me vitimizo. Se noto que me estrangeiro, lembro: os guetos
são pequenos. Não me impressiono se me avisam que me tornei emissário do diabo, inimigo
de Deus ou apóstata. Dependendo de onde saem tais comentários, eu os
"Ser fiel para minhas convicções sempre será um dever para comigo" |
tomo por elogio. Religiosos chamaram Jesus de
Nazaré de príncipe dos demônios, apóstata e pedra
de tropeço.
Meu caminho continua inexorável. Sigo resoluto.
Rechaço o conselho dos apóstolos da cautela.
Não respondo quem usa de pretenso zelo por minha
alma para sugerir: volte atrás antes de queimar no inferno.
Esse tipo de manipulação pode parecer piedosa, mas não
deixa de ser apenas manipulação.
Também não me sinto constrangido com doçuras piegas. Condescendência não tem força de me
fragilizar. Sequer o distanciamento de ex-amigos. Só acho estranho que eles, só agora, se sintam
constrangidos em caminhar perto de mim.
Não tem problema. Ser fiel às minhas convicções será sempre um dever para comigo mesmo.
"Ser fiel para minhas convicções sempre será um dever para comigo" |
Paulo avisa na Bíblia que a obra de cada um será testada no fogo. Me submeto ao tribunal de Deus.
Os milhões de quilômetros que viajei para ajudar igrejas de outras denominações, os seminários,
as conferências e os congressos onde falei atestam minha biografia. Estou certo de que nunca fiz
mal a ninguém. Jamais defraudei quem colocou o seu auditório à mercê de meus
pensamentos. Não tenho remorso de como me comportei desde a tesouraria, aos aconselhamentos
pastorais, às noites de vigília que passei ao lado de famílias enlutadas. Que meus livros e sermões
testemunhem a meu respeito.
Na renitente cruzada contra mim, replico Davi: Caia eu nas mãos de Deus e não dos homens.
Acrescento apenas uma nota: é pecado julgar precipitadamente. Alguns, cegos ao mercadejamento
da verdade, à banalização do sagrado e ao aviltamento da ética, tentam me caçar em nome de uma
ortodoxia que eles mal sabem explicar.
Saí do circo que se tornou o movimento evangélico. Do exílio, minha única surpresa talvez seja:
constatar milhões indignados com o livre pensar; mudos e, portanto, condescendentes com o avanço
dos neocambistas – especialistas em convocar Marcha Por Coisa Nenhuma.
Surdo aos ataques, lembro: a tarefa de separar joio e trigo pertence aos anjos. E o Supremo pastor
apartará as ovelhas do bodes.
Logo será alardeado de cima do telhado o que aconteceu na surdina.
Se o Batista se assumiu porta voz do que clama no deserto, não posso hesitar. Sigo a falar no meu
ritmo. Se minha cadência não coincide com a dos pusilânimes, paciência.
Continuarei a clamarbasta antes que as pedras façam por mim. Se me acantono, abro
alas para os aproveitadores da credulidade popular. Silêncio não é opção.
Leia mais em http://www.paulopes.com.br/2014/04/pastor-diz-por-que-deixou-o-circo-do-movimento-evangelico.html#ixzz2y4GgWxns
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